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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Nossa gente do passado


Dico,Maria e Zé Delfino
Esses três irmãos moravam ali no “Beco do Meio”, bem na entrada da Praça Jacinto Barbosa. Eram todos já idosos quando os conheci ainda menino, minha mãe veio para uma festa do Divino Espírito Santo e arranchamos ali no Bairro Japão na casa de um parente. Fomos assistir um rodeio e comecei a chorar com muita sede e minha mãe levou-me até a casa da Maria Delfino e pediu um copo d’agua e a velhota meteu a cumbuca numa gamela de água que tinha acabado de lavar prato e ofereceu a água suja.
Depois mudamos para São Francisco, fixamos residência ali na Rua Nossa Senhora D’Abadia no Bairro Japão e para passar pro “trabamba” tina que passar no Beco da Maria Delfino. Seu quintal ia até na metade do beco e era cheio de mangueira de várias qualidades e cercado por três fios de arame farpado. Ela, no tempo de manga ficava o tempo todo com uma vara de mais ou menos uns três metros para a meninada não pegar as mangas.
Eu que não era nada bobo parava, a cumprimentava com um bom dia, pois ai de que lhe desse bênção, dizia ser uma moça casadeira e exemplava o atrevido com umas varadas e se não o alcançasse as pedradas certeiras atingiam a cacunda. Como eu a cumprimentava educadamente e lhe chamava pelo nome, coisa muito rara naquele tempo; o certo era chamar as mulheres de dona e os homens de sô. A benção era o cumprimento obrigatório para qualquer criança. Isso para Maria Delfino era uma ofensa. Pelo meu comportamento eu e minha irmã ganhávamos duas mangas coquinhas amarelinhas e sadia todas as vezes que passássemos por ali.
Maria Delfino era uma velhona alta, sempre vestia uma blusa de manga comprida e um saião que chegava até aos pés, trazia os cabelos presos por uma travessinha. Roupa nova e cabelos soltos só na época das festas. Aquela anciã gostava de criar galinhas e eu gostava de ver um galo carijó que ela tinha e o danado cantava rouco de tanto gogo.
Dico era um velhão ranzinza de pouca conversa, não gostava de ficar dando prosa prá criança, diziam que na juventude ele havia casado e sua mulher fugiu com outro e ele nunca mais quis saber de novo casamento.
Zé Delfino era só alegria, vivia rindo, contando casos, quando sua irmã não tava por perto, dava sacada de mangas para qualquer pessoa e se alguém o pedisse dava até folhas de taioba que era abundante debaixo das mangueiras. Quando alguém pedia folha de taioba para Maria Delfino ela misturava algumas folhas de inhame no meio e a pessoa despercebida picava tudo junto e era aquela piniqueira na boca.
O tempo foi passando Dico faleceu, Maria Delfino caducou e só falava em casamento com pessoas mais abastadas e o Zé Delfino vendeu a casa e foi com sua irmã morar na Vila Souzânia, logo Maria Delfino morreu e algum tempo depois colocaram o Ze Delfino no abrigo para idosos.
Os novos donos derrubaram o casarão, cortaram as mangueiras,aterraram o tortuso quintal construíram um grande prédio e o quintal foi dividido, a prefeitora asfaltou o beco e hoje que passa pelo beco da Maria Delfino nem imagina quanta alegria as crianças daquele tempo tiveram com aqueles três irmãos e das deliciosas mangas roubadas ou ganhadas da velha senhora ou do bonachão Zé Delfino.
Dionizio Coêlho.

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